Sete meses após enchentes, 50 mil toneladas de lixo ainda não foram levadas para aterros no RS; veja imagens
Cerca de 180 mil toneladas de resíduos foram recolhidos pelo Departamento de Limpeza Urbana. Cheias deixaram 183 mortos e 27 desaparecidos em todo RS. Bota-esp...
Cerca de 180 mil toneladas de resíduos foram recolhidos pelo Departamento de Limpeza Urbana. Cheias deixaram 183 mortos e 27 desaparecidos em todo RS. Bota-espera no bairro Sarandi, em Porto Alegre A enchente de maio em Porto Alegre gerou cerca de 180 mil toneladas de lixo pela cidade. Pouco mais de sete meses após a tragédia, cerca de 50 mil ainda aguardam destinação final, em aterros sanitários, conforme informações do Departamento Municipal de Lixo Urbano (DMLU). 📲 Acesse o canal do g1 RS no WhatsApp A limpeza da cidade envolveu cerca de 4 mil pessoas e um investimento de R$ 200 milhões. A maior parte dos resíduos foi levada a aterros sanitários, mas uma parcela segue em um bota-espera, área delimitada pela prefeitura no bairro Sarandi. São lonas, telhas, restos de móveis e objetos plásticos no local, entre resíduos não identificáveis (veja vídeo acima). ➡️O que é bota-espera? É um espaço próximo a regiões inundadas pela enchente definidos pela prefeitura para armazenar o lixo até ser encaminhado definitivamente para um aterro. Após a enchente, nove pontos da cidade chegaram a ter bota-esperas. Atualmente, só o do Sarandi ainda está em utilização. Do Sarandi, os resíduos serão encaminhados para aterros em duas cidades da Região Metropolitana - Minas do Leão e Santo Antônio da Patrulha, ambas a cerca de 90 km da capital. Na segunda-feira (9), a prefeitura de Porto Alegre afirmou que a empresa MCT Transportes venceu o chamamento público para levar os resíduos para Santo Antônio da Patrulha - o prazo para executar o serviço é de 75 dias e a vigência do contrato de 120 dias. Além da limpeza, a cidade enfrenta desafios como a reconstrução de infraestruturas e o atendimento às famílias desabrigadas. Os impactos da enchente se estenderam a outras cidades do Rio Grande do Sul, com milhares de pessoas afetadas e prejuízos significativos para a economia e o meio ambiente. O serviço de limpeza começou em 6 de maio, ainda durante a enchente que deixou 183 mortos e 27 desaparecidos em todo RS. ANTES E DEPOIS: meio ano após cheias no RS, veja como estavam e como estão lugares atingidos 'Brava luta dos voluntários', diz brasileiro sobre foto de enchente em Porto Alegre que ganhou prêmio internacional Turismo impulsiona retomada econômica após pior enchente do RS; serra gaúcha investe em festas Retirada de resíduos de 'bota-espera' Julio Ferreira/PMPA 'Era limpo, não tinha esse cheiro' O cenário no bairro Sarandi mudou após a chegada do bota-espera. Lúcia Ribeiro trabalha em uma empresa na região, passa todos os dias pelo local e sentiu a diferença principalmente no odor. "Tem dias que (o cheiro) tá bem forte, agora tem dias que é fraquinho. Quando começa a chover dá aquele cheiro que precisamos fechar as janelas aqui", relata. Lúcia explica que este cenário começou com a enchente de maio. Segundo ela, o local onde hoje é o bota-espera "era limpo, não tinha esse cheiro". A empresa que a mulher trabalha foi inundada. A água das cheias invadiu cerca de 1 metro no estabelecimento. "A gente ficou dois, três meses limpando, arrumando", relembra. O odor também incomoda a educadora Juliana Magnus, moradora da região. "É muito ruim quando passa na frente, o cheiro é forte. Tu passa de carro, de ônibus, tudo o que visualiza é uma quantidade enorme de lixo", descreve. Apesar de não morar próximo ao local, ela relata um problema que surgiu com os resíduos: o aumento da quantidade de moscas. "A gente gosta de abrir as portas e as janelas para entrar um ar, mas não estamos abrindo porque a quantidade de moscas é muito grande mesmo", desabafa Juliana. Resíduos no bota-espera, no bairro Sarandi, em Porto Alegre Reprodução/ RBS TV Bota-espera do Sarandi concentra resíduos recolhidos após a enchente Arte/g1 Estratégia emergencial x frentes múltiplas Na avaliação do coordenador do curso de Engenharia Civil da Escola Politécnica da PUCRS, Felipe Viegas, as frentes para lidar com o desastre ocasionado pelas enchentes precisam ser múltiplas. "A estratégia de usar os bota-esperas era uma estratégia absolutamente emergencial e ela foi válida no momento da crise. Ou seja, a gente, naquele primeiro momento, tinha uma necessidade urgente de retomar a acessibilidade da cidade", pontua. No entanto, no segundo momento, que seria o do restauro da cidade, Viegas avalia que há uma demora nesta etapa. "Acho que seis meses para ter retirado apenas 75% do lixo gerado, me parece muita, muita demora, uma demora excessiva", diz o coordenador. O Departamento Municipal de Lixo Urbano (DMLU) discorda. Segundo o diretor-geral Carlos Alberto Hundertmarker, "não houve demora na destinação do quantitativo recolhido". Ainda de acordo com o professor Felipe Viegas, com o passar do tempo, o material que permanece no bota-espera pode apresentar um processo de contaminação no terreno se não estiver no local adequado. Caso contrário, contaminantes orgânicos e até químicos presentes nos resíduos podem adentrar o lençol freático. "Imagina o seguinte, esse material está exposto, chove, penetra água, e a própria decomposição do material gera uma fase líquida, que a gente conhece como chorume, e esse chorume penetra no terreno e vai contaminar o lençol freático", explica Viegas. O DMLU, por sua vez, diz que "ainda não há degradação desses resíduos nos bota-espera, de classificação II, pois o DMLU tem feito a destinação final adequada, conforme a orientação e regramento dos órgãos ambientais e de controle". Já o professor adjunto de Saneamento Ambiental no Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH/UFRGS), Fernando Jorge Corrêa Magalhães Filho, explica que "a classe II é um resíduo chamado de resíduo não perigoso. É um resíduo que deve tirar um pouco o risco". "Tentar encaminhar somente esses resíduos não perigosos de classe II é uma alternativa para diminuir o risco de contaminação, de veiculação de doenças. Mas não é possível garantir 100%, ou dizer que não há risco nenhum, porque pode conter alguns materiais ali, ou alguns resíduos que podem gerar algum tipo de contaminação", conclui o professor. O investimento da limpeza na capital Cerca de R$ 200 milhões foram investidos no trabalho de limpeza de Porto Alegre, de acordo com a DMLU. No valor estão inclusas a higienização das calçadas e mobiliário público, substituição de bueiros, além da pintura de meio-fio. Aproximadamente 4 mil pessoas estiveram envolvidas no trabalho de limpeza da cidade, segundo o órgão. O número envolve garis, assistentes administrativos, operários, engenheiros e técnicos, além de terceirizados. O registro não considera a atuação de voluntários. O trabalho se concentra agora na destinação dos materiais a aterros sanitários. Além disso, os agentes atuam no recolhimento em propriedades privadas. Segundo o departamento, ainda há moradores e empresas que descartam itens afetados pela enchente, mais de 7 meses após a tragédia. "Temos algumas empresas, do bairro Anchieta principalmente, que fizeram algumas avaliações agora, depois de quatro, cinco meses da enchente, disseram: 'olha, esse equipamento aqui não funciona mais, essa matéria-prima, nós achávamos que a gente poderia reutilizar e não reutilizamos'", diz o diretor-geral. Além da limpeza das ruas, a capital também retirou 23 mil m³ de resíduos de canais de água nos últimos seis meses. O trabalho foi realizado pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), após o nível das bacias baixar. O maior volume foi dragado na Zona Norte, onde está localizado o bairro Sarandi, com mais de 15 mil m³. Os entulhos extraídos pelo Dmae são transportados para um aterro credenciado, localizado no bairro Lami, na Capital. Dragagem de canal no Porto Seco, Zona Norte de Porto Alegre Luciano Lanes/PMPA Manual de limpeza pós-enchente Após a tragédia de maio, a prefeitura de Porto Alegre criou o Escritório de Reconstrução, de forma extraordinária e temporária, até 31 de dezembro de 2024. Entre os objetivos da estrutura está diagnosticar os impactos ambientais, reconstruir infraestruturas danificadas e gerir os recursos financeiros nacionais e internacionais arrecadados. O trabalho pós-enchentes dará origem a um manual de limpeza da cidade após calamidades, conforme o DMLU. O documento deve ser finalizado até o fim do ano. "A nossa equipe de engenharia está mapeando todos os processos que foram feitos, como fazer as contratações, os contratos de destinação correta, de logística e também dos aterros. Então, tudo isso vai se transformar num manual de limpeza de uma cidade pós-enchente", diz o diretor-geral do DMLU. Para o professor Felipe Viegas, neste momento de reconstrução "é preciso planejamento, prazos, identificação para onde vão esses rejeitos e como eles serão armazenados, e é preciso um cronograma". "Me parece que não há a percepção de todos os problemas de funcionamento da cidade, de sanitariedade, que é talvez a questão mais importante, e da retomada da vida", comenta Felipe Viegas. "É preciso transparência também para que até a própria comunidade técnica e a população possam fazer uma avaliação", destaca. Impactos em outras cidades Dos 497 municípios gaúchos, 472 foram atingidos, afetando mais de 2,3 milhões de pessoas, de acordo com a Defesa Civil. ➡️Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, foi a 10ª cidade mais atingida em todo o estado. O número de moradores afetados pela enchente representa 16,3% de todo o Rio Grande do Sul. Após a cheia, a prefeitura do município afirma que foram retiradas cerca de 400 mil toneladas de resíduos das ruas – o número supera em mais de duas vezes a quantidade da capital gaúcha. O município diz que todas as ruas já estão limpas e que somente um dos quatro espaços temporários de retenção dos entulhos segue em operação. Os materiais são encaminhados para Santo Antônio da Patrulha e Estância Velha. A prefeitura estima que o número de profissionais envolvidos na limpeza tenha passado de mil. ➡️Já em Muçum, no Vale do Taquari, onde 79,1% dos moradores foram atingidos pela cheia de maio, 21 mil toneladas de entulhos seguem acumuladas desde a enchente de setembro, que havia sido considerada o maior desastre natural da história do Rio Grande do Sul até a tragédia de 2024. O trabalho é conduzido pela Sema, segundo a prefeitura. O recolhimento está parado, mas deve reiniciar nos próximos dias após a contratação de uma nova empresa. "O município solicitou recursos diretamente para a Defesa Civil Nacional, onde aprovou um valor de R$ 5,2 milhões para destinar os resíduos diretamente para um aterro sanitário apropriado. O processo licitatório já foi executado e a ordem de serviço deve ser emitida nos próximos dias, após aprovação da documentação do processo", diz a prefeitura de Muçum. Agentes da Prefeitura de Porto Alegre limpam placas de sinalização atingidas pela enchente Divulgação/EPTC - PMPA VÍDEOS: Tudo sobre o RS